“(…) A maneira de uma pessoa se debruçar sobre o povo, em busca dum longínquo primitivismo do quotidiano, e sobretudo esta satisfação confessada sem rodeios, este orgulho ingénuo de fazer parte duma cultura cuja estrepitosa falência e radical incapacidade de compreender o mundo que a produz ninguém pode pensar em dissimular, são coisas que não deixam de ser espantosas. Há nisto a vontade manifesta de se abrigarem por detrás de uma formação do pensamento que se baseou na separação de domínios parcelares artificiais, com vista a rejeitarem o conceito inútil, invulgar e incómodo, de «vida quotidiana». Semelhante conceito cinge um resíduo da realidade catalogada e classificada, resíduo este com que alguns repugnam-se ver-se confrontados, porque ele é ao mesmo tempo o ponto de vista da totalidade, implicando por isso a necessidade de uma avaliação global, duma política. Dir-se-ia que certos intelectuais se gabam assim duma participação pessoal ilusória no sector dominante da sociedade, por terem uma ou duas especializações culturais; coisa, no entanto, que os coloca na primeira fila para perceberem que o conjunto desta cultura dominante está notoriamente roído pela traça. Seja porém qual for a avaliação que se faça da coerência desta cultura, ou do seu interesse, visto em pormenor, a alienação que ela impôs aos intelectuais em questão consiste em levá-los a pensar, a partir do céu dos sociólogos, que eles, intelectuais, são totalmente exteriores à vida quotidiana das populações vulgares ou se encontram muito acima na escala dos poderes humanos, como se não fossem, também eles, uns pobres.(…)”
Guy Debord
Excerto de um texto transmitido em gravação, a 17 de Maio de 1961, no Grupo de Investigação sobre a Vida Quotidiana, organizado por Henri Lefevre no Centro de Estudos Sociológicos do C.N.R.S. Reproduzido na I.S. nº 6, Agosto de 1961
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